Reunião das Palavras

Reunião das Palavras

Reuniram-se todas as Palavras da Língua Portuguesa. Havia muito o que ser discutido. Era uma Reunião Extraordinária. Muitas Palavras estavam com questões metafísicas a serem respondidas. Urgia aquela reunião.

As Palavras trabalhavam nas narrativas humanas e eram utilizadas ao seus gostos e necessidades. Elas eram felizes na função. Gostavam muito de ajudar os seres humanos a se comunicarem, a se expressarem, entrarem em acordos e construírem a sociedade. As Palavras eram filhas da Língua Portuguesa, nesse caso. Língua Portuguesa, nascida de seres humanos. Coisas sombrias começaram a acontecer. Ela amava o nascimento de palavras, claro. Até fazia uma festa chamada "Neologismo". "Hoje tem Neologismo!" E todas corriam para receber o novo dizer. Porém, descobriram que haviam humanos matando Palavras. Enviando Palavras para um tal cemitério de Palavras. Eram Palavras que não mais poderiam ser ditas. Claro que não era a primeira vez que aquilo acontecia, mas as lembranças não eram nada boas.

Chegou, então, a mãe Língua Portuguesa pronta para ouvir e mediar toda a reunião. Empatia foi a primeira a pedir a voz:

- Estou exausta!
- Mas por que, minha filha?
- Porque antes a minha função era atender sentimentos genuínos. Agora tem sempre uma palavra do tipo Imperativo me forçando a trabalhar, sem parar, nas narrativas.

As palavras Imperativas estavam em voga, como em tempos de outrora. Estavam em marcha, com toda força que podiam.

- Mas quais palavras Imperativas, meu amor?
- Ah, Mãe! "Tenha" Empatia tem sido meu maior trabalho. Aparece toda hora me forçando a trabalhar.
- Evento, de fato, preocupante. Você, Empatia, é uma Palavra que serve ao Genuíno. Cadê o Genuíno?
- Estou aqui, Mãe.
- O que houve com você? Porque está todo coberto de poeira, com teias de aranha?
- É que não tenho tido muito trabalho. Ando assim, esquecido.
- Mas como é possível que você, Palavra que serve para atender os sentimentos mais nobres, sinceros, legítimos como as perguntas e respostas de uma criança, possa estar nesse estado?!
- As crianças ainda usam minha essência, mãe. Quanto a isso, nada mudou. São os adultos que tem me deixado de lado. Não perguntam com sentimentos da minha ossada. Agora usam mais sentimentos da ossada da Suposição.
- Suposição, minha filha! Acaso sua função não era somente atender os humanos em casos de ausência total de interlocutor?
- Ah, mãe! Os seres humanos não conversam mais, com raras excessões. Agora eu estou tão cansada quanto a Empatia. Eles supõem tanto! Por isso deixaram Genuíno de lado.
- Minhas filhas Palavras, vamos conseguir resolver tudo isso. Já o fizemos inúmeras vezes antes.
- Mas como, mãe? Estou exausta, não consigo nem raciocinar.
- Ora, meu amor. E não era essa a intenção dos seres humanos? Sabem bem como são meus pais. Os amo, mas são bem manipuladores! Fique tranquila, Empatia. Se anime, Genuíno. Descanse, Suposição.
- Mas, mãe!
- Acalmem-se. Eles são avós legais. Criaram as Regras da Língua Portuguesa para nos ajudar em nosso trabalho. Vou a elas recorrer.
- Ih, mãe! Se a Senhora soubesse...
- Soubesse o quê, Genuíno?
- Ontem teve festa Neologismo. Nasceu outra Palavra, toda moderna.
- Qual Palavra? Tenho tido tanto trabalho que nem participei dessa festa! Que tom de voz estranho, Genuíno! A gente sempre fica tão feliz com o nascimento de uma Palavra!
- Foi a Palavra Despiorou.
- Chamem as Regras! Isso não é Palavra nova! Inadequado, filhas! Caso aceitemos caladas, a palavra Melhora poderá cair nas mãos do Coveiro das Palavras!
- Coveiro das Palavras, mãe? Palavras morrem, eu sei. Mas podem ser assassinadas? Perguntou Genuíno.
- Ah, filhx Genuinx, estou sofrendo tanto. Outro dia disseram que sou fruto dos horres da Colonização. Estou fazendo análise. Não sei.
- Mãe? Que xises são esses?
- Não sei, meus pais estão tentando se resolver. Deve ser isso.
- Mas não bastaria que eles viessem a mim? Eu que deveria atender todos os sentimentos genuínos.
- Pois é, pois é... Bastaria. Agora percebo. Bastaria. Mas te deixam de lado, usam demais dos serviços da Suposição e forçam a Empatia a trabalhar. O trabalho da Empatia seria por uma fração de segundos. Ela é Empata. Sofreria muito caso muito usada. Ela precisa agir rápido e sair de cena. Logo entraria a Solidariedade, agindo! Mas também deixaram a Solidariedade de lado. Mas eu falava dos Coveiros das Palavras. Tem os parteiros e os coveiros. Genuíno, me ajude. Tire esse pó do corpo, venha.
- Mãe, a Senhora acha que estão enterrando e criando Palavras de propósito? Seria por tanta Suposição?
- Suposição, venha aqui, querida. Como tem sido?
- Eu não posso ficar agora. Estou ocupadíssima! Nesse exato momento tem um leitor supondo muitas coisas, mãe!

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